sábado, 28 de maio de 2011

Pôr-do-sonho


                Com 40 anos de idade, qualquer uma já teria desistido de esperar pelo príncipe encantado. Menos ela.
                Sempre fora gorda, embora já houvesse seguido todo tipo de dieta. Era também  supersticiosa, e negava. Enxovalhava as apelações miraculosas das amigas quando jovem. Oxum e Santo Antônio a decepcionaram.
                Obviamente era virgem. E resmungava aos casaizinhos bobos na futilidade de um amor que viviam aos montes sob sua janela assistindo ao pôr-do-sol naquela hora perigosa do dia. Tinha uma visão melancólica do seu sobrado. Perdera as contas de quantas vezes faltou à missa por ceder tristemente ao momento rosa - alaranjado da morte solar diária.
                No domingo, dia santo, cumpriu ordinariamente os rituais da oração, do banho e do café amargamente ralo do dia anterior. Não contava a ninguém, mas era preguiçosa. Banhava-se porque sabia era obrigação de toda mulher ser asseada (e precisava estar pronta para quando ele chegasse). As roupas, sempre muito decentes e dignas. Não era mulher de andar por aí com o colo à mostra, embora muitas vezes admirava-o ao espelho. Pecava terrivelmente em segredo ao gostar de ver-se nua. Atrevia-se. Se alguém descobrisse, morreria. Ninguém a perdoaria, ninguém a desejaria como esposa; ninguém ousava.
                A missa começava às oito, e ela seria pontual, não fosse o sorriso de um imberbe sorveteiro na esquina da rua. Estava quente aquela manhã e seria um prazer inusitado. Pediu-lhe de morango e muita calda, embebida pela gentileza do rapaz.
                Recebeu Cristo por hábito, sentia-se suja pelo pensamento que lhe percorria o corpo. Voltou a casa e concluiu: era ele. Correu ao antigo armário e retirou de uma enorme caixa de costura lindamente bordada seu vestido de noiva. Ela mesma o fizera, numa época de forte regime, alcançando o tamanho 46. Não lhe servia perfeitamente, mas poderia vesti-lo, não sem a combinação perfumadíssima de jasmim. Vestiu-se até o véu e não resistiu ao espelho. Abriu os olhos finalmente: ele riria de sua atitude ridícula. Estava velha. Tinha cabelos brancos, olhar fosco, pele opaca. Não se casaria nunca.
                Foi ao jornal e anunciou:
“Vende-se um vestido de noiva. Branco. Nunca usado. Tamanho 46. Tratar com Miss Algarve.”

Julho de 2005

2 comentários:

Eduardo Pelosi disse...

Miss Algarve é a cara de Dona Maria =P

Ilana Guimarães disse...

Olha a inspiração: http://claricelispector.blogspot.com/2008/07/miss-algrave.html