segunda-feira, 25 de julho de 2011

1 chamada perdida

Flama, chama
inconsciente
Cama chama,
não me atende.

Não pude saber
quem me chamou:
se foi um - fogo, verdade
ou se outro - fuga, miragem.

Problema eu não teria
se esses dois
não fossem
a mesma pessoa.

Bipolar.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Dona de quê?

Orgulho extremista
Retoricamente reforçado

Discurso feminista
Teoricamente aplicado

Diz que não, que é só só
e bem acompanhada.

Diz que é dona de si,
mas bastou só um
e pouco tempo,
pra ver que seu escudo
era feito de nada.

É, mulher moderna,
Cadê agora teu nariz em pé?

Perdeu a pose que tinha
Caiu em contradição:
teu Beauvoir não cabe
nas coisas do coração.

Teu medo te fez
arisca.
Te entrega de vez:
arrisca...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Des-medo da chuva

É pena
que você realmente
ainda ache que sou eu.

É justo
que eu intimamente
hoje saiba quem sou eu.

É fato:
os nós que faziam de nós cegos
desataram-se.

Desiste!
Des-existimos.
Existe você.
Existo eu.
Nós nunca mais.


segunda-feira, 4 de julho de 2011

O sonho de Alice

   Alice teve um sonho.
   Sonhou que ela mesma era um espírito que a acompanhava secretamente.
   Passou a contemplar cada passo, gesto, apalavra, ou escrito seu. e sonhou que aquela alma, boa, não tinha como não cair de amores por ela.
   Alice acordou confusa. Ela era, enfim, amável. Descobriu, em suas próprias e inexploradas entranhas, um sentimento incipiente e prematuro (e o seria sempre assim). Ela queria ouvir sua própria voz, observar seus mais singelos traços ou trejeitos peculiares.
   Foi quando alguém lhe disse que não: que seu sorriso estava torto, que havia opacidade e aspereza em seus cabelos e pele, mas que ficasse bem, que o melhor a si era o amor próprio.
   Alice esteve atônita, não sabia o que pensar. Mas é justamente no meio do tormento de pensamentos, que se sabe de verdade daquilo em que se crê.
   Aquele, sim, foi o verdadeiro despertar de seu sonho. Resignou-se com a pouca beleza que tinha e foi viver seu destino infeliz.

Considerações sobre a velhice e o arcadismo

   Toda história, para ser bela, tem de ser verdadeira. E a minha verdade de hoje tem a beleza de uma antiga canção triste, de um ancião solitário depois de uma vida de humanidade farta e profana.
    A presença constante do vulto mórbido o acompanha sombriamente, à nuvem dos seus olhos opacos. Mas, às vezes, num lapso do presente, jorra às suas faces - a olhos vistos - o que se pode chamar de a mais empírica das recordações. E ele sente até o cheiro fresco de uma juventude distante. 
    Cansado da sua real condição atual, empenha-se em alienar-se no delírio efêmero d'outros tempos. E vive suas memórias, caduco chamado. É nesse instante que sua rouca voz canta aquela canção menos velha do que melancólica. Não me atrevo à pretensão de aqui tentar descrever a delicada beleza desse sentimento. a resignação é imposta pela força do tempo e por aquela presença sombria, invariavelmente pronunciada, mas calada pelas reações pseudo-otimistas dos parentes que lhe cuidam.
    A melodia, longamente pronunciada, chora em lamento, e a letra lembra uma amada de indizível candura, mãe perfeita, imaculável, amor eterno. Canta também a tristeza arrependida de não ter vivido o sentimento como hoje imagina que devia. Não se considera merecedor da sorte que teve à época e talvez por isso, por penitência do destino, hoje amarga a pior das dores: a culpa.

   Esses tempos que tenho vivido nada mais são do que o efêmero instante que dura a canção. Sinto que ele já acaba e eu volto à angústia citadina, numa saudade bucólica dos momentos condoreiros de que já começo a me despedir.
   Desde então, repito refrões e tomo fôlego para a estrofe final.

Cordel da ressaca de Junho

Tu vem, para a cidade
para tudo, para eu.

E eu, parado em tu,
fico besta, atrás,
oferecendo quentão.

Tu, modernosa,
diz que tu que paga o teu.

Fico igual um pinto tonto,
procurando prosa.

Tu pensa que sou abestado
só porque eu falo errado.
Eu sou não, é bem verdade
que eu também já tô cansado
dessas moça da cidade
melindrosa e bacharel

Quero ser teu namorado
e não vai ser caridade:
Tu vai ver como é gostoso
chamegar com tabaréu.


De Felícia a Perninha

Me fartar de torta de chocolate
numa tarde azeda de domingo
Ou dormir no meio de um filme cabeção
Desafinar berrando uma letra dos Hermanos
Fazer trocadilhos infames e hilários,
rir de qualquer besteira
Cantar o hino a Santo Antônio (em Latim!)
ou descobrir um novo São Sebastião (em Inglês...)
Estrear um carro novo
Dar plantão no Facebook
Medicar toda a família:
mãe, pai, tia, irmã, prima
e tantas vezes a mim mesma
nesta minha rouca voz, louca.

Ver o primeiro sol do ano...
e partilhar minha história mais triste
sem pudor e confiante
desde a primeira vista.

Como me sinto nessa companhia?
Materna, fraterna, querida, cuidada, feliz.

Veio parecendo um pai
que a vida me tomou
Hoje é quase meu irmão
ou meu filho, meu amor

Se há alguém que seja grata,
esse alguém sou eu, amigo,
pois que, desde aquela data,
carreguei você comigo.
De tanto dizer "de nada",
eu que digo: obrigada!